Catar feijão

Eu cato. Tu catas? Ele, será que cata? Nós catamos sim! Vós, quem sabe, não precisais mais catar. E eles, aqui em casa, catam feijão sim!

O hábito de catar feijão vem de muito tempo. Aliás o escritor e poeta, João Cabral de Melo Neto, transformou em poesia este hábito, no ano de 1965 em seu livro intitulado "A educação pela pedra".

Mas por que me chama atenção escrever sobre catar feijão?

Na verdade somos eternos catadores de feijões, mesmo que não percebamos.

Quando eu era pequenininha, meus pais colocavam o feijão sobre um pano branco e nos convocavam a catar feijão.

Cada um ficava responsável por um montinho e, o intuito era encontrar pedrinhas, carunchinhos, pedacinhos de torrões que íamos separado do feijão, que seria aproveitado para fervura no fogão a lenha "comandado" pelo nosso Pai.

Aparentemente seria apenas um catar feijão, mas tinha muito mais do que o simples ato de catar.

O momento servia para nos olharmos, nos afetarmos e, escutarmos as lindas histórias das infâncias dos nossos pais.

Eles contavam como eram seus modos de participar da equipe chamada família e tudo o que competia a eles fazerem.

Eles narravam sobre suas funções em casa e nas suas brincadeiras nas plantações também de feijão e, assim, fomos compreendendo a nossa função na família.

Ao separarmos o que não servia para ser cozido, nossos pais nos ensinavam sobre a importância de saber discernir o que faz bem e o que pode fazer mal em nossas vidas.

Catar feijão era um meio de tecemos afetos com os nossos sentidos, pois deveríamos prestar atenção para não por fora o que realmente era importante para nosso sustento.

Era um momento que aguardávamos com muita felicidade, pois fazia parte das nossas rotinas participar dos afazeres do Lar, mas principalmente porque queríamos escutar novas histórias sobre suas vidas.

Confesso, que durante o ato de catar feijão, fiquei sabendo não somente o lado bonito da vida dos meus pais, mas também tudo o que eles passaram em suas infâncias dentro das condições que lhes eram normais para a época.

Lembro, que por várias vezes, batíamos vagens de feijões sobre uma lona, no pátio das casas dos nossos avós, para soltar o grão deixando-os secar sob o sol o que para nós era também um ato do brincar.

Hoje, os feijões que compramos nos supermercados, ainda precisam ser catados, mas bem menos que antigamente reduzindo nossos tempos na catação.

Mas o que tiro como lição, no catar feijão, é que além da simbologia que a ação promove, o aprendizado perpassa por afetos que ampliam nossos sentidos, porque se você não separar as pedrinhas com o tato, antes de colocar para fervura, na hora de você comer, provavelmente ouvirá um som de um dentinho quebrando se não tomar cuidado.

Devemos sim catar, escolher, peneirar, filtrar, selecionar, seja a ação que for para que possamos ampliar nossa lucidez diante dos fatos.

Quando cato feijão com meus filhos, com uma menor proporção que meus pais faziam conosco, reafirmo a importância de somar afetos no exercício da escuta, da partilha, da percepção, do toque e da amorosidade ao acolhermos fatos, que por mais simples ou complexos que sejam, entrelaçam nossas histórias de vida.

Se eu puder dar um conselho a você, eu afirmo: “cate feijão com os seus, assim eles sentirão o mundo de possibilidades de afetos que os acolhem”.

 

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